Desatar os nós das palavras: Montaigne contra o artifício

Nosso objetivo é examinar, em linhas gerais, a concepção de linguagem que norteia a maneira como Montaigne faz uso das palavras. Partiremos do estabelecimento de um quadro geral, tendo como base as considerações acerca do tema que pudemos encontrar nos Ensaios. A constatação da precariedade da linguagem e do discurso se fundamenta na observação do abismo que separa nome e coisa, nominalismo que se torna um dos pilares do ceticismo montaigniano. Parece possível concluir que não havendo relação íntima entre as palavras e as coisas o que se tem é uma profusão de discursos acerca da realidade, todos eles parciais por definição, uma vez que não são capazes de atingir as coisas elas mesmas. Nesse cenário, Montaigne constitui o seu estilo a partir da contestação do mau uso da artificialidade da linguagem, esse instrumento da razão. Contra os mestres da arte retórica que se aplicam "em selecionar palavras solenes e em formular frases artificiais" (III, 13, 425/1066-1067), Montaigne desqualifica qualquer tentativa de linguagem científica, ou qualquer presunção de exatidão das palavras. Se o contexto não permite tradução perfeita, se é vedada à linguagem a capacidade de espelhar o mundo, parece para Montaigne que se faz necessário empreender um estilo que tenha por missão desatar os nós da retórica, que não tenha qualquer pudor em se despir da pretensão universalista e da tentativa de descrição naturalista. Assim, o pensador francês estabelece um caminho formal que lhe parece mais condizente com a proposta de voltar-se para o objeto que apresenta as maiores possibilidades de êxito ao ser transcrito discursivamente: o sujeito.
Thiago Borges de Almeida (UFMG)