Entre a adesão e o distanciamento, a difícil arte de 'deslizar sobre o mundo'. Notas sobre a liberdade no ensaio De mesnager sa volonté (III,10)

Em De ménager sa volonté, Montaigne retoma uma tópica da tradição estóica – a crítica das paixões – para mergulhar fundo no exame e na crítica de uma paixão em particular – a ambição. O ensaísta retoma a tradicional reivindicação de liberdade – isto é, do apego moderado a tudo o que é alheio ao sujeito e o escraviza – para abordá-la no campo da política: mesmo na condução dos assuntos públicos, o sujeito deve manter certo distanciamento, como forma de assegurar para si um espaço de liberdade. Mas o risco maior trazido pela ambição – mostra Montaigne - não é a perda da liberdade individual, e sim a perda da liberdade coletiva, pois o político ambicioso põe seus interesses privados – a busca da honra – à frente dos interesses coletivos. Num mesmo ensaio e através de uma mesma crítica, enfim, Montaigne proporá condutas que atendem, simultaneamente, às exigências da ética e da política: desviar-se das circunstâncias que despertam as paixões, discriminar-se dos cargos e partidos. Tudo em nome das duas liberdades.
André Scoralick (USP)