Epoché e zétesis em Montaigne

Resumo: Existe nos Ensaios uma tensão entre a recomendação da epoché e a prescrição pelo exercício livre do juízo? Esta tensão poderia ser eliminada, caso a idéia de suspensão do juízo em Montaigne se limitasse ao assentimento dogmático? Esta restrição encontraria precedentes no ceticismo pirrônico? Neste trabalho interessa-nos enfrentar estas questões. O famoso ‘passe de esgrima’ de Montaigne na Apologia mostra que a razão não dispõe de fundamentos seguros, não tem como e decidir sobre o verdadeiro e o falso. No entanto, a esgrima cética não irá interditar um uso da razão, desde que em coerência com suas limitações naturais. Montaigne insiste sobre o caráter investigativo e examinador do entendimento, recriminando todo tipo resignação e estagnação dogmática. A hipótese deste trabalho é que em Montaigne o exercício zetético visa denunciar a impropriedade de um uso dogmático da razão, que leva à fixação precoce e arbitrária do juízo e em consequência à interrupção da atividade do julgamento. Assim, o uso legítimo da razão deverá ser restabelecido através da terapia cética: purgar a presunção de posse da verdade, confrontando perspectivas divergentes, de modo a produzir eqüipolência e assim levar não a uma suspensão completa do juízo, mas a uma suspensão que abra o caminho para o exercício do juízo, emancipando-o de tais pretensões, tornando-o sadio por que consciente de sua precariedade constitutiva. Por fim, a limitação em relação ao alvo da suspensão nos parece compatível com a perspectiva pirrônica. Sexto Empírico, em reiteradas passagens dos Esboços Pirrônicos, afirma que seus argumentos se endereçam ao discurso dogmático e não versa nem interdita o discurso que relata as coisas conforme aparecem ao cético.
Luciana Maria Azevedo de Almeida (UFMG)