A felicidade humana nos Ensaios de Michel de Montaigne

Várias têm sido as perspectivas de compreensão da felicidade ao longo dos anos e  diferentes foram seus métodos de abordagem. No texto que ora apresentamos temos a intenção de pensar a felicidade na perspectiva de circunstancialidade, a partir da contribuição das reflexões antropológicas montaigneanas, próprias do período renascentista. Abeberando-nos nos escritos montaigneanos, deparamo-nos com o homem entre limites existenciais e cuja fronteira fundamental é a morte. Portanto, preparar-se para a morte e viver bem, é ter a plenitude da existência,  o que se configura como um estado de felicidade. Pensar com Montaigne no quanto filosofar é aprender a morrer, é pensar no quanto somos limitados em nossos poderes e em nossas certezas. De certa forma, a consciência da fragilidade de nossa existência mundana impõe-nos uma nova moral de respeito à vida e ao planeta, pois, conforme o castelão de Perigord, parafraseando palavras de Sêneca, “nenhum homem é mais frágil do que o outro; nenhum tem assegurado o dia seguinte”. A busca do auto-conhecimento é o principal objeto da atividade investigadora de Michel de Montaigne, o propósito dos Ensaios. Pois ele ensaia ao modo de comportar-se como alguém que se pinta: “não pinto o ser, pinto a passagem, não a passagem de uma idade a outra, de sete em sete anos, como diz o povo, mas dia a dia, minuto a minuto”. Se nesse pintar-se se dá conta de que filosofar é aprender a morrer, não se poderia perguntar se não é essa constatação o que nos incita a aprender a viver? Se o temor da morte pode ser motivo de angústia do ser humano, paradoxalmente, a meditação sobre a morte não pode ser requisito para o bem viver? Viver bem é degustar o presente em sua intensidade, cientes de que como disse Sêneca e a quem Montaigne faz freqüentes referências: “a primeira hora de vossa vida é uma hora a menos que tereis para viver”. Nos Ensaios Montaigne se desenha nessa efêmera passagem e, embora o faça de modo singular, nos toca de igual modo, pois, numa perspectiva universal, ao falar do homem Montaigne fala da condição humana. Pretendemos desse modo, pensar no quanto essa percepção da finitude humana e da possibilidade humana de permanente construção de projetos, pinturas individuais de liberdade, pode ser a própria felicidade.

Janete Maria Bonfanti (UCS)