As razões da inconstância: uma exploração do tema da variação prodigiosa nos 'Ensaios'

Inegável que a inconstância é o traço mais acentuado da investigação sobre o homem que nos é apresentada nos Ensaios por Montaigne. Toda empresa montaigniana parece orientada para exibir esta constante nele e, em especial, na figura do próprio autor. Daí a dificuldade – de que não nos faltará aviso desde as primeiras páginas do livro – de formar e fundar “um juízo constante e uniforme” sobre assunto tão “maravilhosamente vão, diverso e ondulante”; e a injunção correlata de segui-lo muito de perto e durante bom tempo, e não só em circunstâncias extraordinárias de suas ações, se se quiser empreender julgá-lo e conhecê-lo. Daí também a imagem do grotesco e monstruoso associada à proliferação discursiva dos Ensaios, que segue as linhas ondulantes deste ser variável. No entanto, esta insegurança quanto à “matéria”, móvel, não parece ser resposta quando o assunto é a “maneira” de tratá-la, e os múltiplos “exercícios do juízo” ganham, nas alegações montaignianas, uma ordem e segurança imprevistas, ao passo que o efeito produzido pela liberdade de variar ao discorrer, se é de desconcerto e desorientação, é lançado na conta do leitor “indiligente”, e não do autor que perde o próprio fio. Isto não deixa de ter conseqüência sobre a forma como entendemos a variação que nos propõem os Ensaios, e sobre o plano em que ela se dá, sugerindo a presença, ao menos, de um pólo de estabilização, em que opera, à parte, um jugement muito firme e seguro de seu andamento, apesar do horizonte móvel em que habita e que o afeta.
Edson Querubini (USP)