Comparação dos homens com os animais e ceticismo: a leitura de Pierre Charron do bestiário de Montaigne

O objetivo da comunicação é investigar em que medida parte dos Essais foi recepcionada no século XVII e de que forma a filosofia montaigniana foi transformada pelos seus posteriores, especificamente no uso que Pierre Charron (1541-1603) faz dos argumentos céticos da Apologia de Raymond Sebond no tocante a comparação dos homens com os animais. Para tanto resgataremos uma fonte comum tanto para Montaigne quanto para Charron - o humanista Pierre Boaistuau (1517-1566) -, e apontaremos a influência que uma de suas obras, intitulada Théâtre du Monde (1558), exerceu sobre Charron. Acreditamos que o otimismo antropológico de Boaistuau repercute, em certa medida, na Sagesse e parece ser um elemento clarificador que explica o tom construtivo do ceticismo charroniano no tema da comparação dos homens com os animais. Ao cotejarmos os argumentos do bestiário da Apologia de Raymond Sebond com a Sagesse I. 34 perceberemos que o ceticismo cumpre papéis opostos em cada uma das obras. Veremos que o principal objetivo do bestiário montaigniano é utilizar a argumentação cética para criticar a vaidade e a arrogância do homem, que se coloca acima de todos os demais seres, cumprindo o papel de desconstruir a imagem renascentista de homem. Por outro lado, o principal objetivo de Charron ao comparar os homens com os animais é mostrar a viabilidade de se seguir à lei natural, utilizando a força cética para construir uma nova imagem de homem moderado e racional: o Sábio. Charron aponta a lei natural como modelo não-dogmático para ação e único modelo viável devido à fraqueza natural do homem, à sua inconstância e à sua incapacidade de conhecer a verdade. Essas diferenças explicitam porque Charron não coloca o homem em pé de igualdade com os animais, igualdade essa que ele atribui à argumentação montaigniana. Serão estes os argumentos que serão detalhados nesta comunicação.
Estéfano Luís de Sá Winter (UFMG)