Montaigne e La Mothe Le Vayer críticos da opiniaticidade

A investigação filosófica empreendida pelo cético, tal como descreve Sexto Empírico, culmina com a suspensão do juízo e, por meio dela, com a obtenção da tranquilidade e da moderação das afecções. Ainda segundo Sexto, o cético pirrônico é concebido como um filantropo que deseja curar os dogmáticos da presunção e precipitação, conduzindo-os a uma vida feliz. Não parece haver, porém, nos Esboços do Pirronismo ou no Adversus Mathematicos, qualquer crítica acerca do que alguns filósofos modernos denominam “opiniaticidade”. Sexto Empírico busca explicitar, no Contra os Éticos, a razão pela qual o dogmatismo gera intranquilidade, mas não se aprofunda na discussão dos motivos que levariam um dogmático a aferrar-se à sua opinião ou crença e a tentar sustentá-la a qualquer preço. Em autores modernos como Montaigne e La Mothe Le Vayer, encontra-se uma análise dessa natureza, cujas características mais importantes se pretende analisar nesta comunicação, ainda que de maneira introdutória. Em termos amplos, trata-se de (1) explicitar a relação entre ignorância e opiniaticidade no Da arte da conversação e (2) demonstrar a compreensão de opiniaticidade presente no De l’opiniastreté, sempre demarcando o papel desempenhado pelo ceticismo e destacando a relevância atribuída às paixões no apego dos dogmáticos às próprias opiniões. Montaigne e La Mothe Le Vayer vinculam a opiniaticidade à obstinação, pertinácia ou teimosia, consequência indesejável da resistência em mudar de opinião ou admitir o erro, a qual representa um vício intelectual em que os céticos não recaem. Ao cético, na medida em que sabe não possuir a verdade, está vedada a possibilidade de defender opiniaticamente qualquer opinião, donde sua coragem para contestar e ser contestado (Da arte da conversação PV 924) e a flexibilidade (souplesse), indiferença e ausência de prevenção com que se volta às diferentes crenças (De l’Opiniastreté p.386).
Flávio Fontenelle Loque (UniFei)